Liberdade e Livre Arbítrio: Forças conscientes que comandam as nossas escolhas
Muita gente sente dificuldade em traçar um plano de vida.
São tantos os pensamentos que nos atravessam que, por vezes, diferenciar um sinal no meio de tantos ruídos se torna um imenso desafio.
Nossa cultura e sociedade não cooperam.
A cada dia, se aprimoram em novas formas de roubar o nosso tempo, plantando desejos em nossa mente, que nos estimulam a perseguir objetivos que não são nossos.
Os inúmeros estímulos que recebemos não apenas nos distraem da construção de um plano de vida.
Eles também criam cenários psicoemocionais difíceis, que precisamos aprender a dar conta e atravessar.
No meio dessa confusão, eu vejo a importância de aprender a cultivar intenções genuínas — e de construir mecanismos que possam proteger essas intenções dentro do nosso mundo interior.
Hoje, mais do que nunca, nossas aspirações dependem da capacidade de reconhecer os convites sedutores de nossa cultura como uma possível distração, e de aprender a construir uma emocionalidade que impulsione nossos próprios objetivos.
Se você tem uma aspiração que deseja desenvolver, é essencial aprender a protegê-la e a nutri-la.
E isso me leva a falar sobre a dicotomia entre liberdade e livre arbítrio.
Liberdade e Livre Arbítrio. Forças conscientes que comandam as nossas escolhas.
De acordo com o senso comum, dizemos que liberdade é o que se deseja fazer, e livre arbítrio é o que se deveria fazer.
Um exemplo bem simples é o da dieta.
Você está de dieta e vai a uma festa com uma mesa cheia de doces e comidas deliciosas.
Algo em você deseja comer de tudo, e outro algo te lembra que você não deveria.
Podemos, nesse dia específico, ter exercido o livre arbítrio de não ter comido o que gostaríamos.
Se por um lado “vencemos” a batalha, por outro, entristecemos.
Agora você imagina que toda a nossa vida, e todas as nossas escolhas, podem estar nesse campo de batalha:
— de um lado, o que você de verdade gostaria de fazer;
— do outro, a voz que diz o que você deveria fazer.
Não é à toa que muita gente sente que está se esforçando pra caramba, pra no final do dia ainda se sentir culpada por não ter feito tudo o que acreditava que deveria ter feito.
— Ou terminar o dia triste, por ter reprimido diversas coisas que desejava ter vivido.
Por maior que seja a sua disciplina, essa dicotomia enfraquece qualquer pessoa, e isso não parece ser sustentável.
Em um mundo que está sempre procurando uma brecha para nos roubar de nós mesmos, parece ser apenas uma questão de tempo até baixarmos a guarda e cedermos aos impulsos que nos afastam do caminho que aspiramos.
Será que precisa ser assim?
Se a ideia aqui é construir um mecanismo interno para proteger e nutrir nossas aspirações, me parece que construir uma disciplina baseada apenas na repressão do que se deseja é uma estratégia frágil — quase infantil — para realizar qualquer coisa na vida.
Até porque é muito provável que nossas aspirações existam, ao mesmo tempo, dentro da nossa liberdade e do nosso livre arbítrio.
Nossas aspirações são algo que desejamos fazer, ao mesmo tempo em que acreditamos que devemos realizá-las.
Por isso, me parece fundamental aprender a dialogar mais com as nossas emoções, abrir espaço para que elas existam, e quem sabe até aprender a direcioná-las de uma forma mais madura.
Inclusive porque, se você reparar bem, quando nossa cultura nos rouba de nós mesmos, faz isso justamente atravessando a nossa emocionalidade.
Somos pescados através do desejo.
Portanto, ao invés da batalha entre liberdade e livre arbítrio, a pergunta que faço é:
Como podemos parar de nos dividir — e unir essas duas dimensões do ser?
Como construir uma emocionalidade potencializadora
É muito comum olharmos para as nossas emoções como aquilo que desejamos fazer, em oposição àquilo que acreditamos que devemos fazer.
A repressão das emoções nesse sentido é um dado cultural.
O pensamento ocidental dominante foi construído dessa forma: ao valorizar mais a nossa parte racional, passou a olhar para as emoções como algo que atrapalha o funcionamento pleno da razão.
Se olharmos com sinceridade, é inevitável perceber o entristecimento que surge sempre que abdicamos de fazer algo que desejávamos fazer.
Ao mesmo tempo, também enfraquecemos quando nos entregamos a desejos que estão em contradição com aquilo que acreditamos dever realizar.
O ponto é que essa dicotomia é uma construção. Ela não precisa existir.
Podemos aprender a construir, em nós, uma emocionalidade que potencialize aquilo que racionalmente acreditamos ser importante fazer.
Emoção e razão podem andar juntas.
Podemos desejar aquilo que elaboramos racionalmente.
Mas, para isso acontecer, precisamos aprender a construir novos sentimentos, que nos direcionem para os nossos objetivos.
No caso da dieta, a pessoa se entristeceu porque foi dominada pela falta.
O sentimento de “não poder” comer o que gostaria dominou a sua emocionalidade.
Nesse caso, só a força de vontade iria fazer com que ela vencesse esse desejo. Percebe como isso é limitado e entristece qualquer um?
Enquanto não construirmos uma emocionalidade que impulsione nossos objetivos, muitas vezes seremos vítimas da própria liberdade.
Em outras palavras, nossas emoções caminharão de forma independente daquilo que desejamos construir.
Voltando ao exemplo da dieta: de que forma a pessoa poderia usar a própria emocionalidade para potencializar a decisão de seguir seu plano?
Antes de dar os exemplos, uma coisa importante de entender é que provavelmente essa pessoa não deseja fazer uma dieta.
Ela deseja os resultados da dieta.
E são nos resultados que ela deseja ver que uma nova emocionalidade pode ser construída.
Isso significa que, em qualquer objetivo que tenhamos, é essencial usar a criatividade para elaborar as vitórias que possam ser colhidas ao longo do processo.
Cada vitória reconhecida é um pontinho a mais na construção de um novo sentimento.
A depender do objetivo da dieta, ela pode construir uma emocionalidade que vai para diferentes direções. Por exemplo:
Se for por uma questão estética, essa pessoa pode se imaginar vestindo roupas que adorava, mas que agora não cabem. Ao voltar a caber nessas roupas, um novo sentimento de satisfação pode surgir.
Se for por uma questão de saúde, ela pode realizar novos exames regularmente, e perceber nos bons resultados uma vitória que merece ser comemorada.
Se for por uma questão de disposição física, pode começar a reparar na sua energia aumentada, reconhecendo no ânimo diário e na sua maior capacidade de realização, a sua própria conquista.
Percebe como esses exemplos criam uma emocionalidade bem diferente do que se essa pessoa apenas se pesasse na balança de tempos em tempos?
O ato de se pesar na balança muitas vezes pode até construir uma emocionalidade contrária à dieta, no sentido de que a pessoa começa a sentir uma espécie de sacrifício, ao medir cada grama perdida diariamente, o que pode construir o sentimento de querer se livrar da dieta assim que puder.
Esse é um exemplo de como, muitas vezes, podemos estar jogando contra nossas próprias aspirações, sem perceber.
Muitas vezes aquilo que fazemos para medir os resultados do processo pode estar criando o sentimento de “Isso não é para mim mesmo”, ou criando, de alguma forma, um desgosto com a atividade realizada.
Só você sabe aquilo que pode ser reconhecido como uma vitória ou como uma autossabotagem dentro do processo que você almeja realizar.
Por isso, sempre que existir um objetivo, é fundamental construir um processo junto, que contenha as vitórias que de verdade te impulsionam e a comemoração adequada à essa vitória.
É nesse engajamento criativo com o processo — nessa brincadeira sincera consigo mesmo — que conseguimos construir sentimentos sólidos, que de fato impulsionam nossos objetivos.
E claro, talvez, mesmo com tudo isso, ao se deparar com a mesa de doces, essa pessoa ainda sinta a falta de “não poder” comer o que deseja.
Mas agora, ela não é mais dominada por esse sentimento.
Agora ela possui uma emocionalidade mais consolidada, capaz de estimular o livre arbítrio na direção almejada.
Cultivando Intenções Genuínas
Para finalizar, eu vejo que é importante falar sobre as nossas intenções.
Como reconhecer nossas aspirações genuínas?
Perceba que o que traz disposição para se engajar em um processo da forma sugerida é justamente ter um objetivo que ofereça benefícios sólidos, que justifiquem o esforço necessário para alcançá-lo.
Nesse ponto, volto para a introdução:
vivemos em uma cultura que, a todo momento, tenta nos dissuadir, nos roubar o tempo, plantar desejos que nem sempre correspondem ao que realmente queremos.
Por isso, é importante lembrar: temos uma única vida, um tempo limitado — e, justamente por isso, é essencial saber escolher como direcionar o próprio tempo.
Eu penso que existem duas grandes fases na vida de qualquer pessoa.
A primeira é uma fase exploratória: o momento em que estamos buscando reconhecer aspirações, os temas que nos interessam.
Nessa fase, acredito ser fundamental dizer mais "sim" do que "não" para as diferentes oportunidades.
Aqui estamos nos testando, vendo como funcionamos em diferentes contextos, e sentindo se as atividades a que nos expomos fazem sentido ou não.
No momento em que encontramos algo que faz sentido, pode ser que o desafio se torne o inverso:
aprender a dizer mais "não" do que "sim" para as novas oportunidades.
É tempo de aprofundar no tema em que houve encaixe.
Em muitos casos, depois de algum tempo, pode-se chegar a um beco sem saída com esse tema — ou perceber que a busca precisa seguir outros caminhos.
Se isso acontece, podemos voltar à fase exploratória e seguir nos experimentando, agora possivelmente com mais consciência sobre a própria busca, de forma que essa exploração se torne mais direcionada.
Não existe receita para nada disso: existe processo, existe caminho.
E ele é sempre muito pessoal, mesmo quando crescemos em algum tipo de grupo.
Mas, seja na fase de exploração ou na fase de aprofundamento, quanto mais conseguimos unir nossa emocionalidade à elaboração racional dos nossos objetivos, mais nos tornamos capazes de construir uma liberdade madura.
E, com isso, nossas escolhas passam a ser nutridas por nossa intuição; que deixa de ser apenas uma fantasia — para se tornar um saber concreto e confiável.
Talvez, a maior liberdade que possamos conquistar seja o desenvolvimento dessa bússola interior.
Ótimo texto, profundo e muito claro.